ENTRE CAMPOS... UM OLHAR... UM CAMINHO

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

À BEIRA DE ÁGUA



Prometo que responderei a algumas solicitações no sentido de escrever mais um pouco sobre António Pinho Vargas.

Hoje, ou melhor, nesta data, volto a sentir o que é A Persistência da Memória. Sobre ela já aqui deixei algumas linhas, deixando também uma imagem do quadro de Salvador Dali que recebeu tal título.

Na passada quarta-feira, pela manhã, e durante a aula de Comunicação Intercultural, falei um pouco sobre Eliade e a noção do eterno retorno. É por um eterno retorno que chegamos aos momentos originais e os reactualizamos, por rituais, na nossa memória, sobretudo quando esta parece perder-se. Como escreveu Paul Connerton, é assim que as sociedades recordam.

O dia de hoje tem, porém, uma lógica contrária. Sobre esta data, e sobretudo pelo que evoca, digo o mesmo que David Mourão Ferreira escreveu sobre a cidade em que nasceu - «Dela por vezes me evado mas sempre a ela regresso. Bem sei eu que não desato os cordões com que me aperta»

Eu sei que não perceberam, por minha culpa, o que pretendo dizer. Mas as palavras são assim. Por vezes, têm o seu lado poético e este nem sempre é decifrável, porque intimista.

É, pois, em exaltação desse lado, que aqui compartilho um poema do saudoso Eugénio de Andrade.




À BEIRA DE ÁGUA


Estive sempre sentado nesta pedra
escutando, por assim dizer, o silêncio.
Ou no lago cair um fiozinho de água.
O lago é o tanque daquela idade
em que não tinha o coração
magoado. (Porque o amor, perdoa dizê-lo,
dói tanto! Todo o amor. Até o nosso,
tão feito de privação.) Estou onde
sempre estive: à beira de ser água.
Envelhecendo no rumor da bica
por onde corre apenas o silêncio.

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