ENTRE CAMPOS... UM OLHAR... UM CAMINHO

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Assobios no Estádio do Dragão... AFINAL DE QUE LADO ESTAMOS?



O antropólogo francês Christian Bromberger defendeu que o olhar para um jogo de futebol que visa contemplar apenas a dimensão artística que este proporciona enquanto espectáculo é semelhante à contemplação de um nú artístico. Para ele, a emoção de um jogo de futebol só é vivida em pleno desde que os espectadores tomem partido por uma das equipas presentes e a apoiem.

Tal apoio estabelece a condição de adepto e a mesma não é fácil de conjugar com a condição de espectador interessado na qualidade e beleza do jogo. Para ser coerente, o espectador deverá entusiasmar-se e aplaudir as boas jogadas de ambas as equipas e as talentosas acções individuais dos jogadores. Como todos sabemos, não é assim que os adeptos dos clubes se comportam. Estes procuram incentivar os jogadores do seu clube aplaudir o seu bom desempenho. Ao invés, apupam as acções dos jogadores da equipa adversária. Tentam desta forma contribuir para a vitória do seu clube.

É nesta lógica que não consigo enquadrar os assobios e apupos dos adeptos à equipa que era suposto apoiarem. Para além de depender de uma dialéctica de mérito/demérito de ambas as equipas em compita, o resultado de um jogo de futebol é incerto e o decurso do mesmo gera tensão nos jogadores. Assobios e apupos durante o jogo potenciam o nervosismo e a ansiedade. São, por isso, um elemento adicional que prejudica o desempenho dos jogadores e pode, desta forma, beneficiar a equipa adversária.

Se o pagamento de bilhete outorga o direito de protestar contra o fraco desempenho da equipa predilecta, assuma-se então a condição de espectador e aplauda-se, em consonância com a mesma, o bom desempenho da equipa adversária. Por outro lado, ser adepto, um bom adepto, pressupõe apoiar sempre a equipa e não prejudicá-la com assobios. Se esta dualidade não for resolvida, teremos maus adeptos e maus espectadores.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Parabéns Jony



João Luís Dias. Bolsa de Mérito da U.F.P.


O meu amigo João Luís Dias informou-me hoje que a Universidade Fernando Pessoa decidiu atribuir-lhe uma bolsa de mérito, premiando-o assim como o melhor aluno da licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais.

Dou-te os meus sincereos parabéns Jony.

Para além da alegria que me deu, tal distinção merece da minha parte mais algumas considerações. 

Verifico, com muita satisfação, que a minha universidade continua atenta e a reconhecer o mérito dos seus alunos e profissionais. Assim o fez no ano transacto relativamente à conclusão do meu doutoramento. Assim o fez também em 1997 relativamente à minha licenciatura. E não tinha que o fazer. Tal deve ser, por isso, reconhecido e elogiado.

Relativamente ao Jony - o premiado que aqui felicito - gostaria de dizer que o conheci quando ele era um elemento operacional da claque Super Dragões, colaborando activamente para que este grupo apresentasse nos estádios um bom desempenho, por exemplo ao nível das coreografias. Marcava presença em todos os jogos, sendo, pois, um exemplo daquilo que pode ser considerado um Ultra.

A bolsa de mérito que agora recebe demonstra que as claques dos clubes de futebol integram membros muito capazes e com grande sucesso nas mais variadas actividades que exercem. Há, pois, naqueles que as compõem, jovens com mérito e que de forma alguma podem ser considerados criminosos ou vândalos, sendo, em função de tal classificação, tratados como inaptos para uma aceitação social plena, apenas porque optam por integrar uma claque para apoiar de forma mais activa os clubes de que gostam.
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Mas sobre este e outros aspectos relacionados com claques de futebol falarei na próxima sexta-feira no bar da Quinta do Passal, na rua de Paredes n.º 150, em Codessos, Paços de Ferreira.

domingo, 26 de junho de 2011

É na económica estúpido...



Estava eu aqui, serenamente, com a caixa das novas mensagens aberta para tentar escrever umas palavras de reconhecimemento para com o que o Sr. Tomislav Ivic fez pelo Futebol Clube do Porto e fui confrontado com uma discussão no programa Eixo do Mal, da Sic Notícias, a propósito da tão propalada viagem de avião do Sr. Primeiro Ministro português em classe económica.

Depois de tal opção ter sido notícia já com dias, sem mais qualquer informação, sabe-se agora - mas só agora - que as viagens oficiais dos membros do governo são gratuitas. 

Foi posteriormente o Jornal de Negócios e depois também o jornal Público que noticiaram tal informação. Assim sendo, tal virtuoso exemplo do Sr. Primeiro Ministro apenas consubstancia uma poupança ao erário público se a lotação da classe executiva esgotar e a libertação do lugar permitir a venda de mais um bilhete para a mesma.

Sem prejuízo do seu teor demagógico, compreende-se que esta decisão, aos olhos de muitos, se apresente como um signo de poupança e contenção digno de registo. Todavia, é mais forma do que substância, mais significante do que significado o que se procurou veicular.

Ao invés, o significado é outro. Mais uma vez, e porque apenas se disse que a viagem seria em classe económica e nada se comunicou sobre a gratuitidade da mesma, não sendo esta desmentida por uma TAP que se refugiou num silêncio privatizado, é para mim claro que estamos, no mais puro estilo de Goffman, no plano da administração de impressões a causar perante um povo sedento de ver nos governantes o (ilusório) exemplo legitimador moral do pedido de mais sacrifícios.

Mas se dúvidas houver sobre esta minha interpretação, convém saber, e a fazer fé no que foi publicado pelo jornal Expresso, que o gabinete do Sr. Primeiro Ministro informou que em viagens de longo curso [e portanto mais caras; presumo eu] «é natural que vá em executiva.»

O Marketing e os sound bytes do costume. Nada há de novo debaixo do céu.


terça-feira, 21 de junho de 2011

villas-boas OU O ANIQUILAMENTO DE CARÁCTER

«Estou na minha cadeira de sonho e não abdico dela por nada.»
andré villas-boas dixit


O sociólogo norte-americano Richard Sennet escreveu uma importante obra que se intitula A Corrosão de Carácter. Esta é, em síntese, entendida pelo autor como uma consequência de um capitalismo global que precariza o emprego e, por conseguinte, pressiona as pessoas a abdicarem de alguns princípios éticos e do seu carácter com o intuito de manter, a todo o custo, a sua fonte de sobrevivência.

Se tal corrosão de carácter poderá até ser compreensível em função da necessidade de garantir as dignas condições de vida a uma família, a mesma é, todavia, completamente intolerável quando as mesmas estão largamente asseguradas por um salário de fazer inveja a qualquer trabalhador português.

A saída de andré villas-boas para o Chelsea F.C., agora oficial, configura, a meu ver, um exemplo redondo, não apenas de corrosão, mas de total aniquilamento de carácter.

Bem sei que o rapazinho é um treinador profissional e tem, portanto, todos os direitos - mas também os deveres - que decorrem de tal profissão. É, pois, legítima a sua ambição de auferir um melhor vencimento, mesmo que para tal tenha que recorrer a uma cláusula de rescisão.  No entanto, continuo a entender que quem tem no contrato uma cláusula de rescisão pretende sempre garantir a possibilidade de não cumprir com aquilo a que, livremente, se comprometeu durante um período de tempo determinado.

No presente caso, se alguém houve que definiu e delineou outros contornos que não apenas laborais e profissionais para a relação estabelecida com o Futebol Clube do Porto foi o próprio andré villas-boas.

Basta recorrer ao que o miúdo propalou com grandiloquência para demonstrar que foi ele quem exaltou a sua relação afectiva com o FUTEBOL CLUBE DO PORTO, assumindo e sublinhando, inequivocamente, a sua condição de adepto e sócio do FUTEBOL CLUBE DO PORTO, por sinal com um número mais baixo do que o meu.

Deixo, pois, algumas das suas palavras, escolhidas e enumeradas por Bernardino Barros:

- "Cresci adepto do FCPorto e vivi o clube das mais variadas formas"

- "O FCPorto está presente em mim desde muito cedo, desde que tenho memória"

- "Já fui membro dos super dragões"

- "Estou na minha cadeira de sonho e não abdico dela por nada"

- "O meu futuro está completamente ligado ao FC Porto"

- "Se ficar 15 anos no clube que adoro, por mim está bem"


Ninguém obrigou o andrezinho a dizer isto. Se o disse, foi porque quis. E disse que não abdicava. POR NADA. E o futuro estava ligado ao clube.

Se é verdade que as palavras são levadas pelo vento; não é, porém, menos verdade, que as mesmas têm uma dimensão pragmática e geram consequências.  E estas palavras assumiam claramente um carácter de promessa, tendo gerado expectativas e impressões. E muitos portistas confiaram nelas. Deveriam, portanto, ser penhor de honra. E não foram.

Foi também com base nelas que Pinto da Costa afirmou a certeza da permanência do miudo, afirmando que ele não queria sair.

Sabemos, hoje, que eram, como escreveu Pedro Tamen, «palavras sem sentido».

Bem sei que a palavra falece,  muitas vezes, perante o dinheiro. Mas isso só acontece, como mencionou ontem Ribeiro Cristovão na SIC Notícias, quando falta coluna vertebral e sobra garoto.

Mourinho, que nunca se afirmou adepto do FUTEBOL CLUBE DO PORTO e ao qual nunca fez juras de amor eterno, saiu atempadamente e deu tempo para o clube preparar a nova época. Ao invés, aquele que procurou evocar o carácter como elemento distintivo de Mourinho, saiu depois de dizer o que disse, escolhendo para tal um momento que coloca dificuldades ao clube. Demonstrou, pelo que disse e fez, pelo tempo e pelo modo, o seu carácter ... ou a ausência dele.

De Mourinho, sabemos que lê a Bíblia. O rapazinho parece que não. Se a lesse, certamente que se reveria nas palavras do Rei Salomão quando este afirmou: «o que amar o dinheiro nunca de fartará de dinheiro e quem amar a abundância, nunca de fartará da renda. Isto é vaidade.» Nós, adeptos do FUTEBOL CLUBE DO PORTO, também a deveríamos ler. Pelo menos saberíamos que «maldito é o homem que confia no homem.»

Mesmo depois de ter dito que não abdicava da cadeira de sonho POR NADA, saiu respaldando-se numa relação meramente contratual.

Assim sendo, não agradeço NADA a villas-boas. Se a base de relacionamento é contratual e profissional, então o miúdo fez apenas o que estava obrigado a fazer, pois foi principescamente pago para trabalhar e atingir os objectivos do clube. NADA há, portanto, para agradecer.

Por fim, e isto é que é o mais importante, com A, B ou C, vamos continuar a cumprir o nosso destino:


VENCER


E votos de longa vida aos inimigos do FUTEBOL CLUBE DO PORTO que estão contentes com a saída do miúdo. Longa vida para que assim possam continuar a assistir às nossas vitórias futuras.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

HOMENAGEM AO POLVO PAUL

Em 9 de Julho de 2010 apresentei aqui no Entre-Campos a previsão do polvo Paul sobre o clube que venceria o principal campeonato português de futebol na época 2010/2011.

Hoje é possível confirmar o quão certa foi a previsão do saudoso Paul, entretanto já falecido.

Deixo-lhe, por isso, esta singela homenagem com a memória do seu certeiro alvitre.



Na verdade, o Futebol Clube do Porto foi Campeão Nacional. O outro clube preterido pelo Paul ... está mesmo no fundo.

domingo, 6 de março de 2011

Futebol Clube Paços de Ferreira


Na noite da passada sexta-feira tive a oportunidade de estar presente em Paços de Ferreira e passar uma boa noite a falar sobre desporto e sobre a motivação para o mesmo. Aprendi muito com a comunicação do professor José Neto.

Tive ainda a oportunidade de falar perante jovens atletas do Futebol Clube de Paços de Ferreira sobre as claques de futebol e a interacção que as mesmas poderão ter com os atletas. Surpreendeu-me a atenção e o silêncio que que ouviam os palestrantes. De fazer inveja a alguns alunos do ensino superior que por vezes encontro nas salas de aula.

Todavia, a forma como fui recebido e tratado pelas minhas ex-alunas Ana e Margarida e os bons momentos de diálogo com as mesmas dão sentido e renovam o prazer daquilo que faço todos os dias.

Destaco, por fim, o Futebol Clube de Paços de Ferreira. A simpatia e deferência de todos e a oferta de uma camisola do clube e de um cachecol da claque muito me honrou. Sempre entendi a camisola de um clube como um símbolo ao qual muitos dedicaram o melhor de si para a honrar e engrandecer. Para além da sua materialidade, e essa é o que menos importa, ela é um signo de toda uma história e património. Assim sendo, e com o valor que atribuo a esta oferta, entendo, como meu dever, ser agora penhor da honra e respeito pelo Futebol Clube Paços de Ferreira.
A todos o meu agradecimento.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Memória, esquecimento e silêncio...


Milan Kundera, na sua obra intitulada O Livro do Riso e do Esquecimento,destaca a profusão e o excesso de notícias como sendo uma razão relevante para que todas as pessoas se esqueçam de tudo ao fim de algum tempo.

Recordo esta ideia do escritor checo porque entendo que ela explica também alguns esquecimentos de que o povo português parece padecer.

Em recente comentário neste blogue recordei as palavras que o capitão Salgueiro Maia proferiu aos soldados da Escola Prática de Infantaria de Santarém, quando os motivava para o acompanharem até Lisboa, naquela que seria a marcha da libertação de Portugal do jugo de uma abominável ditadura. Este capitão de Abril disse:

"Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!"

Foi com esta marcha sobre Lisboa e com a acção militar que comandou - e na qual pôs em risco a sua vida - que Salgueiro Maia trouxe, nas palavras de Vieira da Silva na sua célebre pintura sobre o 25 de Abril, a poesia para a rua.

No entanto, houve alguém que, há mais de 20 anos, recusou atribuir, a este militar de Abril, uma pensão do Estado português por serviços relevantes à pátria. Como a memória é curta - até pela razão apontada por Kundera, deixo aqui apenas alguns lembretes.





Pelos vistos, terá sido mais justo atribuir pensões a dois PIDES, um deles responsável pelas únicas mortes ocorridas no dia 25 de Abril de 1974 na Rua António Maria Cardoso.

Se este fosse um país decente, o povo português, hoje, tinha memória.

Se isto fosse um país decente, o povo português não aceitaria um confortável, mas ensurdecedor silêncio, sobre notícias de compra e venda de valores mobiliários e imobiliários que «gritam» por um cabal esclarecimento.
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Se isto fosse um país decente, o «escutado» teria que explicar a sua metodologia da relação de «recado» para a comunicação social.

Voltando a Kundera, ao recordar a Primavera de Praga o escritor sublinhou que a luta do povo Checo contra a repressão desta manifestação em busca da liberdade seria sempre a luta da memória contra o esquecimento.

Em Portugal, Salgueiro Maia é memória. Por sua acção, a poesia veio para a rua. Tudo o resto é esquecimento...

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Sob a Alçada da Isabel


O jornal Destak, na sua edição de 20 de Janeiro, cita declarações da Srª Ministra da Educação. A fazer fé neste diário gratuito, Isabel Alçada afirmou-se «surpreendida» por se «colocar crianças na rua para reivindicar», competindo tal tarefa à gestão dos colégios.

Não deve haver, por princípio, qualquer tipo de instrumentalização das criancinhas. Todos estão de acordo. No entanto, as manifestações observadas correspondem, de facto, a uma situação real que resulta das medidas aplicadas por Isabel Alçada. Assim sendo, surpreendente é ela ter ficado surpreendida em ver crianças na manifestação.

Na verdade, ainda hoje foi noticiado o fecho, já na próxima semana, de dezenas de escolas que vendo cortadas as verbas do Estado, estão já impossibilitadas de continuar as suas actividades lectivas. Consequentemente, serão as crianças que terão perturbado o seu percurso escolar, não só neste ano lectivo, mas também nos vindouros. Assim sendo, não serão, pois, reais os motivos para os seus protestos? Não estão elas prejudicadas com as medidas? Não terão o direito ao protesto só por serem jovens?

Eticamente deplorável é insinuar uma suposta manipulação das crianças pela colocação das mesmas numa manifestações - como se estas não tivessem já alguma consciência do que está em causa - tentando assim, com tal evocação, iludir aquilo que verdadeiramente é substantivo; ou seja; o corte das verbas às escolas com contrato de associação, com a inevitável morte de muitas delas.

Provavelmente entenderá a Srª Ministra que os meninos e meninas deveriam estar sob a sua alçada, escondidinhos, «varrendo-se» assim, para «debaixo do tapete», as consequências das medidas pelas quais é responsável?

Lamento muito que não se lembrem de quão vil é a manipulação das criancinhas quando estão ordeiramente sentadas no seu lugar (como se isso fosse verdade no quotidiano de escolas com uma indisciplina crescente) para assistirem às aberturas dos anos lectivos, apresentações de inovações - vulgo Magalhães - e outras iniciativas de propaganda política para os sound bytes da comunicação social.


E assim se faz Portugal...


quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Cortes presente... prejuizos futuros.


A família e a escola são duas instituições profundamente estruturantes dos processos de socialização e enculturação dos jovens. Todavia, e na sociedade actual, estas instituições competem cada vez mais com o grupo de pares, com as novas tecnologias - sobretudo a internet e redes sociais - e ainda com uma categoria de media sobretudo orientada para a promoção de um consumo específico destinado aos jovens e que configura os estilos destes. Para além de pressionados pelos filhos para a aquisição de bens que são os signos desses estilos, os pais sofrem angustiados com a perda da sua influência nestes processos. Assim sendo, exige-se de qualquer decisão política que não prejudique a dinâmica social destas duas instituições.

No entanto, uma visão meramente contabilística conducente a cortes orçamentais em prol da redução do déficit das contas públicas, levou o actual governo a decidir-se por um severo corte no financiamento às escolas com contrato de associação.

Bastariam os despedimentos que tal medida implicará e a inevitável situação dramática em que muitas famílias terão que sobreviver para demonstrar o quão chocante e insensível é esta intervenção governativa. Na verdade, é mais fácil asfixiar financeiramente as escolas e «lavar as mãos» face às consequências, do que ter a coragem de «mexer», de forma contundente, com as chorudas reformas vitalícias acima dos 4000 euros de alguns privilegiados do sector público e que custam ao Estado português, segundo o estudo publicado no Diário de Notícias, cerca de 22 milhões de Euros mensais. Parece que para resolver este problema, só resta mesmo, como alguém com as máximas responsabilidades neste país afirmou, esperar que tais beneficiários morram. Na verdade, quem defende hoje que os cortes são desiguais, por afectarem mais os pobres e não tanto os ricos, dá um fantástico exemplo http://aeiou.expresso.pt/cavaco-opta-por-pensoes-de-836410042=f626817

A perversidade de tais cortes vai, contudo, muito mais longe. Ela é fortemente desestruturante das famílias e da escola.

Relativamente às primeiras sabe-se que qualquer mudança de escola - inevitável para muitos pais face à sua impossibilidade de pagar propinas - pode ser fortemente perturbadora da rotina familiar, acarretando também um processo de adaptação dos estudantes a uma nova escola, a novos professores e a novos grupo de amigos.

No que à escola diz respeito, o governo argumenta que os contratos de associação foram feitos quando a rede de escolas públicas não era suficiente para cobrir as necessidades dos jovens estudantes. Agora, com uma rede escolar alargada, não será necessário manter tais contratos, uma vez que os jovens portugueses têm já disponível, perto de si, a escola que necessitam. Fica, pois, clara, esta visão instrumental de usa e deita fora que esquece dois aspectos fundamentais:

- sendo privadas, as escolas prestam um serviço público. E considerando os rankings de escolas que foram publicados, prestam-no melhor do que as escolas públicas. Com efeito, estão ameaçadas muitas escolas bem classificadas nos tais rankings. Quem os valorizou, não pode agora desvalorizá-los ao sabor dos seus intentos políticos e para esconder o aniquilamento de instituições escolares de qualidade.

- só existe escola pública, e por maioria de razão, só existe Estado português, porque o mesmo é financiado pelos impostos dos cidadãos e da iniciativa empresarial privada.

Sem prejuízo do que foi referido, acresce-se ainda que o corte de verbas às escolas com contrato de associação destruirá o ensino privado, mas também degradará o ensino público. A tal rede escolar ampliada, mas muitas vezes sobrelotada e com um número excessivo de alunos por turma, receberá mais estudantes, numa época em que os cortes anularão o estudo acompanhado, o desporto escolar e demais actividades complementares às normais actividades lectivas. Por conseguinte, depois da destruição da qualidade do ensino privado, virá a decadência do ensino público.

Esta medida justifica ainda outras considerações. Depois de sabermos o que se gasta com os mais de 13000 organismos públicos, com as empresas públicas, com as parcerias público-privadas, com as derrapagens das obras, com os prémios e ordenados de altos quadros do Estado, os pareceres pagos a peso de ouro e ainda com a insistência em obras públicas como o aeroporto e o TGV, é incompreensível, porque absurdo e imoral, o corte que se anuncia. Isto, por parte de quem criticava a política do betão e tinha a educação como paixão.

Esperava-se, da parte do Presidente da República, que perante tal medida, assumisse as suas responsabilidades, como o próprio prometeu. Porém, e depois de ter formalizado um suposto acordo com o governo, a lei foi promulgada. Não se sabe se a portaria posteriormente publicada pelo governo desvirtua o suposto acordo alcançado. Se assim é, cabe ao defraudado denunciar claramente tal situação, para que o povo português saiba com quem lida.

Não sendo assim, assistimos ao ridículo de vermos um Presidente da República a confortar protestos contra uma lei que ele próprio assinou, quando se esperava um veto enérgico e não uma promulgação frouxa. Mas isso também não é surpreendente em alguém que não veta leis, optando antes por promulgá-las e depois criticar o que promulgou, numa clara desvalorização e apoucamento das leis da república, pasme-se, pelo presidente da mesma.
*
Não tenho qualquer intenção premonitória nem perfilho teses especulativas. Estou, no entanto, plenamente convencido que estes cortes, com o dinheiro a entrar pela porta e algum dele a sair pela janela para pagar subsídios de desemprego e outros gastos, terá repercussões na qualidade da educação, com os consequentes custos futuros não contabilizáveis, mas penalizantes para Portugal.

sábado, 8 de janeiro de 2011

O «ESTADO» A QUE ISTO CHEGOU


Diz-se que esta foi uma das frases com que Salgueiro Maia - antropólogo e capitão que dirigiu as operações militares que foram conducentes ao derrube da ditadura em 25 de Abril de 1974 - iniciou o seu discurso mobilizador dos militares, ainda dentro da Escola Prática de Infantaria em Santarém.

Esta asserção tem hoje toda a pertinência quando lemos as doze páginas iniciais da edição de ontem do Diário de Notícias. A mesma inicia a publicação de uma investigação que retrata o Estado Português, tendo a mesma sido efectuada por um grupo de profissionais deste jornal.

A primeira pagina apresenta, como estimativa, a existência de 13740 organismos públicos. Em boa verdade, os investigadores constataram a dificuldade do próprio Estado Português em saber, com a necessário rigor, o número de organismos públicos que o constituem, precisamente porque os mesmos não estão inventariados.

Isto, por si só, é demonstrativo do descontrolo e do estado a que isto chegou. O próprio Estado Português não sabe com exactidão os organismos que detém. Acresce-se ainda que o mesmo jornal destaca que só 1724 destes organismos publicaram contas e apenas 418 foram fiscalizados.

Certo é que tais números foram já desmentidos. Foi também referido que todos os organismos apresentam contas em função da obrigação legal de o fazer. No entanto, e apesar da reserva que possa existir sobre os números apresentados, a investigação proposta não deixa dúvidas quanto ao número excessivo de institutos, fundações, empresas públicas, associações, orgãos de administração local e regional que, «aspiram» o dinheiro dos contribuintes, são muitas vezes coincidentes e conflituantes nas suas funções. Muitos lugares bem remunerados a respaldo de tais instituições, com a Fundação Cidade de Guimarães como exemplo se considerarmos os 14300 euros mensais que a sua administradora principal ganhava, a fazer fé no que foi publicado pelo Diário de Notícias.

Para além dos organismos públicos, esta investigação destaca os custos dos pareceres - nos últimos sete anos custaram cinco vezes mais do que os estádios do Euro 2004 -e dos serviços de consultadoria, o desperdício nas compras, os 28 ou 29 mil carros comprados, as despesas em viagens, concertos com Tony Carreira, as despesas com flores, artes e tapetes.

É por isso que chegamos a este estado.

Mas a demonstração da má governação, do descontrolo e despesismo do Estado em nada legitima aqueles que perfilham o seu aniquilamento a favor de um paradigma capitalista liberal e liberalizado, sem controlo e regulação política, que configura, como demonstraram Naomi Klein em Doutrina do Choque e Joseph Stiglitz em Globalization and its Discontents, o capitalismo da desgraça, quiça responsável pela crise global que vivemos.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

DISCURSOS... APENAS


Ouvi atentamente a mensagem de Natal do Sr. Primeiro-Ministro e a mensagem de Ano Novo do Sr. Presidente da República.

Como não encontrei nas mesmas nada de novo que possa ser entendido como significativo, estou cada vez mais convencido que as mesmas são, na actualidade, um mero ritual que se repete ano após ano e que vale sobretudo como formalidade significante, mas já com muito pouco significado para os portugueses.

Na verdade, estas mensagens são um bom exemplo do que Foucault escreveu na sua obra intitulada A ordem do discurso. São discursos que sempre foram ditos, são ditos e continuarão a ser ditos, pois resultam de uma ordem discursiva institucional e consequentemente cerimonial.

Assim sendo, tais mensagens são sobretudo valorizadas na arena da luta dos partidos políticos, com os prosélitos dos mesmos, como sempre, a exaltarem as virtudes da mensagem quando a homilia é da sua capela e a encontrarem falhas e omissões quando a voz que ecoa é do demo da capela ao lado. Mas ambas perseguem os mesmos interesses de conversão ao voto para que, com a legitimação deste, se defendam melhor objectivos carreiristas.

Acredito (pouco) na pragmática dos discursos. Mas admito até que a sua enunciação possa de alguma forma induzir ou alterar práticas. No entanto, se nada for feito na condições objectivas de vida das pessoas, de pouco servem os discursos bonitos dos políticos. Eles são, como afirmou José Manuel Coelho, similares às palavrinhas caridosas das Miss Mundo. Todos estamos de acordo com eles, apesar de não resolverem nenhum problema concreto.

Neste tempo de videocracia, em que a democracia se joga também em palavras televisivas que são mais um elemento da confrangedora luta entre partidos, o povo português espera... espera... espera... pela resolução concreta dos seus problemas.
*
Era também conveniente que cada um de nós fizesse também qualquer coisinha melhor no seu dia-a-dia para melhorar isto. Não acham?


sábado, 1 de janeiro de 2011

BOM ANO DE 2011

Nas primeiras horas de um novo ano regresso a este espaço na blogosfera.

Vicissitudes várias afastaram-me durante longo período do Entre Campos. Trabalhos diversos, artigos para concluir e um 2010 que se afigurou o Anus Horribillis da minha saúde dificultaram uma presença regular neste espaço.

Escrever por escrever apenas para preencher este espaço não seria até tarefa difícil. No entanto, considerando como premissa que as palavras são a voz do pensamento, pretendo que este espaço partilhe algumas reflexões e essas não se compadecem com uma periodicidade pré-determinada.

Parafraseando um verso de Eugénio de Andrade, não gosto de gastar as palavras pela rua. Espero das mesmas a mediação entre leitores e as minhas ideias. E como escreveu Fernando Pessoa recorrendo ao heterónimo Alberto Caeiro, «pensar incomoda como andar à chuva quando o vento cresce e parece que chove mais.»
*
Bastaram poucas horas deste novo 2011 para nos lembrar a bestialidade humana. Hobbes tinha mesmo razão.

Mas como para além da realidade consideramos a nossa percepção sobre a mesma, talvez seja apenas uma questão de perspectiva pessoal sobre as notícias que nos chegaram.

Por isso, que ninguém se resigne.

Deixo, por isso, uns breves versos de Miguel Torga no poema intitulado Sísifo. Esperemos que não seja sísifico o ano que agora se inicia.


Recomeça...
se puderes,
sem angústia e sem pressa.

E os passos que deres
nesse caminho duro
do futuro
dá-os em liberdade.

Enquanto não alcances,
não descanses.

De nenhum fruto queiras só metade.


Bom ano de 2011.