ENTRE CAMPOS... UM OLHAR... UM CAMINHO

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA



Fez esta quarta-feira 65 anos que terminou o maior horror da humanidade.

Auschwitz é o grau zero da condição humana, sendo também a demonstração cabal do que ela é capaz. A meu ver, nem sequer podemos falar de animalidade, uma vez que, salvo melhor opinião, não conheço animal que, por mais predador que seja, possa matar assim.

Felizmente que são muitas e difundidas por vários canais as narrativas que nos trazem à memória os mais de 6 milhões judeus, mas não apenas estes. Pessoalmente, ainda hoje recordo filme A Vida É Bela, do Belinni. Um horror belo que me levou às lágrimas. Recordo também A Lista Shindler. Vi este filme de Steven Spielberg num completo silêncio no antigo Cinema Passos Manuel. No final, o público presente, já de pé, aplaudiu sem palavras ou assobios. Mesmo depois das palmas, e quando já corriam na tela as letrinhas, o público teimava em permanecer em silêncio, na sala, olhando a viagem lenta do nome dos que, de uma forma ou de outra, participaram no filme. A dificuldade em abandonar a plateia lembrou-me aqueles que se despedem de quem amam e não conseguem ir embora, ficando até ao último momento olhar a pessoa querida até ela desaparecer no horizonte. Ou então vão-se afastando e olhando para trás com olhos de quem gostaria de acompanhar quem partiu.

Pelo livro L'experience concentractionnaire, escrito por Michael Pollak, conheci também relatos impressionantes de judeus que sobreviveram nestes campos de morte. Outras pessoas tiveram acesso a muitas outras narrativas deste teor.

Este dia da memória é um ritual que, à semelhança das diversas narrativas da história e das artes, permite este retorno ao passado, para que e possa ser representado no presente. Como demonstrou Paul Connerton,é por estes rituais que as sociedades recordam. E isto será sempre necessário, pois como foi previsto logo que se chegou a Auschwitz, muitos há que hoje tentam negar, diluir e atenuar a verdade da história e da condição humana.

O actual papa referiu-se nesta efeméride a este campo de concentração como o lugar onde Deus não entrou.

Não sei se alguém que fale em Deus lá terá entrado ou perfilhado os valores ideológico-políticos conducentes ao extermínio. Porém, tenho a certeza que neste e noutros campos de concentração estavam homens sem Deus.

Acompanho esta mensagem com o célebre A persistência da memória de Salvador Dali. Para que ela sempre persista sobre o que foi feito.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A BOCA MORRE PELO PEIXE




Nos últimos dias alguém resolveu colocar no youtube um conjunto de escutas efectuadas no âmbito do processo denominado Apito Dourado e que visavam particularmente o Presidente do Futebol Clube do Porto.

Ficamos a saber também, pela comunicação social, que esta forma de revelação das escutas pode configurar um crime de desobediência. A fazer fé no que foi noticiado, o Ex.mo Sr. Procurador da República Pinto Monteiro tomou mesmo a decisão de abrir um inquérito à divulgação das gravações.

Talvez por isso alguns jornais se tenham coibido de transcrever as escutas. No entanto, a fazer fé naquilo que foi noticiado, parece que um canal de um certo clube de futebol terá transmitido tais escutas.

Porém, não tardou que fossem reveladas algumas imagens do túnel de acesso aos balneários do estádio desse mesmo clube. E relativamente a estas Aqui del Rei que vamos apresentar uma queixa à Entidade para a Regulação da Comunicação Social. As escutas, essas podem ser reveladas à vontade, mesmo que tal seja crime.

Pois é. A boca morre pelo peixe...

http://videos.sapo.pt/KEjtozLGh8AlRazAezCZ

... não é sr. Presidente do slb? Retomando o que escrevi ontem neste blogue, estou convicto que a mãe deveria ter dito ao filho: «Estuda, porque se não o fizeres corres o sério risco de falar como este senhor. E se tiveres azar ainda estás sujeito a ser presidente do slb.»

Já agora, porque nada me constou quanto à passagem no youtube ou no tal canal de outras escutas que, ao que parece, também foram registadas, mas que não tiveram a mesma divulgação, consultei o livro do comentador Rui Santos e aqui transcrevo as escutas que o mesmo citou na página 84.

( A dois dias da meia-final da Taça de Portugal de 2003-2004.)

Luís Filipe Vieira - Eu não quero entrar em esquemas ou falar muito ... [...]
Valentim Loureiro - Eu penso que ou o Lucílio ... o António Costa, esse Costa não lhe dá ... não lhe dá nenhuma garantia?
Luís Filipe Vieira - A mim? F... , o António Costa? F... Isso é tudo Porto!
Valentim Loureiro - Exacto, pronto. [...] E o Lucílio?
Luís Filipe Vieira - Não, não me dá garantia nenhuma o Lucílio!
Valentim Loureiro - E o Duarte?
Luís Filipe Vieira - Nada. Zero! Ninguém me dá!... Ouça lá, eu, neste momento, é tudo para nos roubar! Ó pá, mas é evidente! Isso é demasiado vidente carago! Ó Major, eu não quero nem me tenho chateado com isso, PORQUE ESTOU A FAZER ISTO POR OUTRO LADO. [...]
Valentim Loureiro - Talvez o Lucílio, pá!
Luís Filipe Vieira - Não, não quero Lucílio nenhum! [...]
Valentim Loureiro - E o Proença?
Luís Filipe Vieira - O Proença também não quero! Ouça, é tudo para nos f...
Valentim Loureiro - E o João Ferreira? O João... Pode vir o João. Agora o que eu queria... [...] Disseram-me que era o Paulo Paraty o árbitro... O Paulo Paraty! Agora dizem-me a mim, que não tenho preferência de ninguém [...] à última hora, vêm-me dizer que não pode ser o Paulo Paraty, por causa do Belenenses.

A BOCA MORRE PELO PEIXE

COM GENTE ASSIM... QUE SERÁ DESTE POBRE PORTUGAL?

Na última visita que fiz à zona de exposição de livros de um hipermercado deparei-me com uma obra com o seguinte título:

Atribulações de uma operadora de caixa. Habilitações: licenciatura. Função: operadora de caixa.

Não resisti a folhear o livro, iniciando também a leitura de algumas das suas páginas. A autora do livro é licenciada em Literatura. No entanto, não conseguiu arranjar trabalho enquadrado na área em que se licenciou e, em consequência disso, desempenhou a função de operadora de caixa de um supermercado, procurando assim assegurar os seus meios de subsistência.

O livro é um bom exemplo de como, a partir de uma simples actividade quotidiana como a apresentação das compras a uma operadora de caixa, se pode fazer análise social muito interessante. Os cerca de quinze breves minutos de leitura do livro permitiram constatar que a autora delineou vários comportamentos típicos dos consumidores. Desde aqueles que são especialistas em aproveitar todas as promoções, a outros que tentam os furtos e quando são descobertos reclamam ofendidíssimos contra o facto de a sua dignidade estar em causa com tal suspeita, são diversos o perfis de consumidores que a autora caracteriza e dá a conhecer.

Mas para além dos comportamentos tipificados, a operadora de caixa revela também os assédios, as antipatias, as arrogâncias e demais peculiaridades dos compradores que encontrou. Este livro não deixa também de ter algumas descrições, com humor, da vergonha dos clientes em comprar certos produtos, quando outros optam antes por se apresentarem como grandes gabarolas e fanfarrões.

Na verdade, são muitas as descrições interessantes de situações vividas pela autora na sua profissão. No entanto, uma delas chocou-me bastante. Uma senhora, acompanhada de seu filho e pelos vistos muito preocupada com a escolaridade deste, tomou como exemplo a operadora de caixa (relembro que era licenciada) para recordar ao filho: «Se não estudares acabas assim como esta senhora a operador de caixa.»

Desculpem a confissão e as palavras, mas pensei:

Pobre criança. A viver com uma mãe que pensa assim, certamente não chegará muito longe por mais que estude.


Talvez a operadora tenha pensado: «Estuda miúdo, para não ficares assim... como a tua mãe.»

Na verdade, não sei se a autora do livro assim pensou. Estou a especular. Mas uma coisa é certa. Não é com mentalidades destas que o país vai para a frente. Pobre Portugal e mais gente como esta.

P.S. Voltarei ainda ao «pobre Portugal», porque não é só a senhora. Há mais criaturas.

domingo, 24 de janeiro de 2010

HÁ MUITOS A FALAR MUITO DAQUILO QUE SABEM MUITO POUCO

Ouvi na Rádio Renascença o programa Respública. Nele participaram o Dr. º Jorge Sampaio, anterior Presidente da República, bem como o Dr.º António Pires de Lima, ex-bastonário da Ordem dos Advogados.

Tendo a Justiça como tema central, pareceu-me que ambos fizeram uma excelente análise dos problemas desta em Portugal, apontando os seus principais problemas e propondo algumas medidas. A algumas das opiniões expressas no programa pretendo voltar mais tarde, pois as mesmas são muito pertinentes para podermos olhar para o que se vai noticiando e comentando nos jornais e televisões.

Foi precisamente a qualidade dos comentários efectuados, a competência e conhecimento demonstrados pelos dois interlocutores que me levou a reflectir sobre a diferença de conhecimento e qualidade de comentário entre o que ouvi e o que vou ouvindo.

Na verdade, por mais zapping que possamos fazer, dificilmente encontramos algo de mais substancial do que os comentários superficiais que se vão reproduzindo como clichés sempre que se comenta o mesmo tema. Como diria Foucault, são os discursos que foram ditos, continuam e continuarão a ser ditos, sem que nenhuma diferença significativa de conteúdo que denote mais conhecimento se possa vislumbrar.

Tais discursos são, como seria de esperar, enunciados quase sempre pelos mesmos comentadores que vão circulando de canal em canal ou então têm lugar cativo num mesmo canal televisivo. E por mais zapping que possamos fazer encontramos sempre, como escreveu António Gedeão, os «homens ditosos a quem Deus dispensou de procurar a verdade» a falarem sobre tudo e sobre todos, com a áurea do conhecimento profundo sobre vários temas. E lá continuam eles, inventando pequenas minudências para poderem divergir.

Não surpreende, por isso, que José Maia, na coluna de opinião intitulada Sentinela que publicada a 16 de Agosto de 2009 no Correio da Manhã, tenha referido com toda a pertinência: «fica a impressão de que sociólogos, antropólogos, psiquiatras deveriam substituir com urgência analistas políticos que dizem sempre mais do mesmo, falando cada vez menos do que cada vez mais deveria ser falado: conhecer e compreender os portugueses!»