ENTRE CAMPOS... UM OLHAR... UM CAMINHO

sábado, 27 de fevereiro de 2010

TOM WAITS


Ok.

Vou então acrescentar algo mais sobre António Pinho Vargas, sobretudo acerca da sua música intitulada Tom Waits.

Recordo-me bem da explicação que este músico portuense deu para esta sua criação e seu respectivo título em entrevista a António Macedo, hoje locutor da RDP Antena 1. Provocado por este profissional da rádio com a expressão «Tom Waits é lá de outras vidas!!!», António Pinho Vargas afirmou então, em entrevista filmada durante uma viagem de comboio, que a música foi criada em consequência da audição que fez de um disco de Tom Waits que lhe tinha sido oferecido por Rui Veloso. Para além da evidente voz rouca de Tom Waits que denotava talvez bastantes copos de bagaço - António Macedo interrompeu para afirmar «Eu digo que é de carrascão» - Pinho Vargas vislumbrou muita ternura, procurando então, com a música que criou, expressar e evidenciar tal sentimento.

Eu acho que conseguiu, deixando-nos uma das suas mais belas composições. O título, como disse o músico, foi «uma espécie de homenagem».

Partilho aqui convosco duas versões. A primeira resulta do próprio documentário intitulada Deixem Passar a Música, onde a entrevista a que me reportei foi apresentada.

http://www.youtube.com/watch?v=8w5rYHmk38o

Esta segunda é uma versão mais recente, a solo. Ouçam e apreciem.




sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

À BEIRA DE ÁGUA



Prometo que responderei a algumas solicitações no sentido de escrever mais um pouco sobre António Pinho Vargas.

Hoje, ou melhor, nesta data, volto a sentir o que é A Persistência da Memória. Sobre ela já aqui deixei algumas linhas, deixando também uma imagem do quadro de Salvador Dali que recebeu tal título.

Na passada quarta-feira, pela manhã, e durante a aula de Comunicação Intercultural, falei um pouco sobre Eliade e a noção do eterno retorno. É por um eterno retorno que chegamos aos momentos originais e os reactualizamos, por rituais, na nossa memória, sobretudo quando esta parece perder-se. Como escreveu Paul Connerton, é assim que as sociedades recordam.

O dia de hoje tem, porém, uma lógica contrária. Sobre esta data, e sobretudo pelo que evoca, digo o mesmo que David Mourão Ferreira escreveu sobre a cidade em que nasceu - «Dela por vezes me evado mas sempre a ela regresso. Bem sei eu que não desato os cordões com que me aperta»

Eu sei que não perceberam, por minha culpa, o que pretendo dizer. Mas as palavras são assim. Por vezes, têm o seu lado poético e este nem sempre é decifrável, porque intimista.

É, pois, em exaltação desse lado, que aqui compartilho um poema do saudoso Eugénio de Andrade.




À BEIRA DE ÁGUA


Estive sempre sentado nesta pedra
escutando, por assim dizer, o silêncio.
Ou no lago cair um fiozinho de água.
O lago é o tanque daquela idade
em que não tinha o coração
magoado. (Porque o amor, perdoa dizê-lo,
dói tanto! Todo o amor. Até o nosso,
tão feito de privação.) Estou onde
sempre estive: à beira de ser água.
Envelhecendo no rumor da bica
por onde corre apenas o silêncio.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

DANÇA DOS PÁSSAROS


Ainda em Lisboa, no final do primeiro dia do congresso Sports & Diaspora, fui jantar a um restaurante do qual guardo boas memórias e que se situa no Centro Comercial Amoreiras. Ao chegar a este, deparei-me com uma fachada do edfício cuja imagem todos pudemos ver numa telenovela portuguesa. Tal fachada fez-me recordar uma bela música de António Pinho Vargas. Na época, a Dança dos Pássaros foi um grande sucesso deste compositor da cidade do Porto.

António Pinho Vargas é hoje um dos grandes compositores da música portuguesa. A beleza da sua obra mantém-se em cada novo trabalho e a sua música paira no ar em muitos momentos do meu quotidiano. Esteve soberbo - como sempre - na última vez que o ouvi. Foi em S. João da Madeira e lá tive que aguentar uma viagem de dezenas de quilómetros debaixo de intensa chuva. Mas valeu a pena. Vale sempre a pena ouvi-lo. É um nome grande da cultura portuguesa.

E não se esqueçam. É um grande portista.

Aproveito, pois, esta oportunidade para partilhar convosco a Dança dos Pássaros; uma música que sempre está na minha memória.


Mas muitas outras músicas inesquecíveis ele tem. Bastaria apenas lembrar Tom Waits. Sobre esta, Pedro Burmester afirmou que se tal música tivesse surgido nos Estados Unidos da América, Pinho Vargas estaria rico.
Ainda bem que é de Portugal

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

GOSTO DE COMBOIOS


Sim. Gosto de comboios e recordei com alguma saudade tal gosto na passada sexta-feira quando viajei no Alfa Pendular para Lisboa.

Recordo o cheiro das estações de comboios e a sua tranquilidade e silêncio, sempre interrompido pela passagem dos comboios e pela agitação da entrada e saída dos passageiros. Lembram-se das antigas bilheteiras com aquela máquina grande de obliterar a data naqueles coloridos bilhetes de cartão? Guardei muitos após cada viagem que fazia entre a estação de S. Bento, no Porto, e a estação de Esmoriz. E a arquitectura das estações portuguesas, sempre com belos azulejos e jardins bem arranjados, que eram mesmo razão de competição entre as estações em concursos nacionais? E que dizer daquela celebre palavra (também composta em azulejo) «RETRETES» que muitos sorrisos motivava? Sim, porque, com aquelas condições, eram de facto retretes.

Eu ainda cheguei a viajar nas velhas carruagens puxadas pela máquina a carvão. Lembro-me perfeitamente dessa viagem à Povoa do Varzim, promovida pelos meus avós maternos que assim corresponderam ao meu pedido para experimentar esses comboios.

Recordo também com saudade as conversas com o Sr. Victor Hugo (Chefe da Estação de Esmoriz) e com o Sr. Catarino (Chefe da Estação de S.Bento). Ambos suportavam estoicamente as minhas perguntas sobre comboios e respondiam a todas com o maior gosto. Aprendi muito com eles.

Gosto de comboios. Mas não é do Alfa que eu gosto. Há mesmo certas coisas que não consigo perceber. Fui confrontado com mais um aumento de preço, precisamente quando a qualidade das carruagens vai-se degradando. No W.C já não temos os mesmos adereços de higiene que outrora estavam disponíveis. Os preços praticados no bar são proibitivo e não é a simpatia das meninas que servem (sempre muito bem-vinda e que se mantenha) que paga a conta. Quando olho para a tabela de preços lembro-me sempre da justificação que muitos membros das claques apresentam para os furtos que praticam nas áreas de serviço das auto-estradas. Ainda que a mesma seja para mim inaceitável e tais actos inadmissíveis, confesso que não deixo de me recordar da célebre frase: «com aqueles preços merecem ser roubados.»

Para além disso, o Alfa Pendular tem as vantagens e as desvantagens da ausência de um ambiente «popular». Temos nele o silêncio e a tranquilidade para ler, trabalhar ou até dormir. Muitos trabalham mesmo no computador como se, a partir de um comboio, controlassem o mundo. O que é certo, é que já viajei ao lado de alguém que comprou e vendeu acções via Internet em várias bolsas do mundo durante a viagem para o Porto. E lá me foi explicando como tais operações bolsistas funcionavam. Todavia, no Alfa Pendular temos poucas possibilidades de ouvir conversas divertidas e nem sequer o pregão da senhora que ainda vende, no Intercidades, os pastéis de Tentúgal e as Tigeladas.

Reconheço que houve um esforço de promoção do comboio, até pelo facto deste transporte ser «amigo» do ambiente. Reconheço também que, de uma forma geral, há um pouco mais de conforto nos comboios actuais, embora, em alguns suburbanos, quem necessitar de WC terá certamente que usar o próprio bolso. De qualquer forma, em cada viagem de comboio que faço, mesmo no Alfa Pendular, recordo o meu gosto pelos comboios. Com o som compassado dos rodados de cada carruagem passando pelos trilhos vem sempre a recordação da ODE À POESIA. Um poema de Miguel Torga que não esqueço e aqui compartilho.

Vou de comboio...
Vou mecanizado e duro como sou neste dia;
E mesmo assim tu vens, tu me visitas!
Tu ranges nestes ferros e palpitas
Dentro de mim, Poesia!
Vão homens a meu lado distraídos
Da sua condição de almas penadas;
Vão outros à janela, diluídos
Nas paisagens passadas...
E porque hei-de ter eu nos meus sentidos
As tuas formas brancas e aladas?
Os campos, imprecisos, nos meus olhos,
Vão de braços abertos às montanhas;
O mar protesta contra não sei quê;
E eu, movido por ti, por tuas manhas,
A sonhar um painel que se não vê!
Porque me tocas?
Porque me destinas
Este cilício vivo de cantar?
Porque hei-de eu padecer e ter matinas
Sem sequer acordar?
Porque há-de a tua voz chamar a estrela
Onde descansa e dorme a minha lira?
Que razão te dei eu
Para que a um gesto teu
A harmonia me fira?
Poeta sou e a ti me escravizei,
Incapaz de fugir ao meu destino.
Mas, se todo me dei,
Porque não há-de haver na tua lei
O lugar do menino
Que a fazer versos e a crescer fiquei?
Tanto me apetecia agora ser
Alguém que não cantasse nem sentisse!
Alguém que visse padecer,
E não visse...
Alguém que fosse pelo dia fora
Neutro como um rapaz
Que come e bebe a cada hora
Sem saber o que faz...
Alguém que não tivesse sentimentos,
Pressentimentos,
E coisas de escrever e de exprimir...
Alguém que se deitasse
No banco mais comprido que vagasse,
E pudesse dormir...
Mas eu sei que não posso.
Sei que sou todo vosso,
Ritmos, imagens, emoções!
Sei que serve quem ama,
E que eu jurei amor à minha dama,
À mágica senhora das paixões.
Musa bela, terrível e sagrada,
Imaculada Deusa do condão:Aqui vou de longada;
Mas aqui estou, e aqui serás louvada,
Se aqui mesmo me obriga a tua mão!


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

PARA O MEU PRIMEIRO SEGUIDOR


Quando abri este blogue para escrever uma nova entrada relacionada com a minha viagem a Lisboa no passado fim-de-semana (da qual emergiram vários assuntos que abordarei aqui no entre-campos), deparei-me com o meu primeiro seguidor inscrito. É ele o Jorge Viana.

Conheci-o no seio da claque Alma Salgueirista quando, no âmbito da investigação social que levava a cabo para obter o doutoramento, efectuava trabalho de campo neste grupo. Estava perante o fundador da claque e era imperioso entrevistá-lo. Procurei assim conhecer a história de uma das mais antigas claques portuguesas. A disponibilidade do José Viana para a entrevista que então solicitei foi imediata.

Marcado para a manhã de um Domingo, este encontro ocorreu num centro comercial situado nas traseiras do Hospital de S. João. Durante a entrevista tive oportunidade de registar a história da Alma Salgueirista, relatada pela voz do seu fundador, mas também importantes detalhes relativos à História do próprio Sport Comércio e Salgueiros. Foi uma longa entrevista que se revelou fundamental para o meu trabalho e cuja transcrição demorou várias horas.

Mas o que realmente me marcou nesse dia não foi o conteúdo - extremamente interessante - do diálogo estabelecido, mas sobretudo o entrevistado. Perante um clube com extremas dificuldades e que posteriormente desceria várias divisões no futebol português em consequência de uma gestão absolutamente ruinosa que não honrou os seus compromissos com terceiros, fiquei impressionado com um homem que irradiava um amor ímpar pelo Sport Comércio e Salgueiros e que estava disposto a dar o melhor de si mesmo para ajudar o clube. Foram-me então confessados alguns problemas decorrentes das horas de trabalho dadas ao clube e «roubadas» à família e à própria profissão, com consequentes prejuízos financeiros e individuais. Para além destes, ainda recordo um pedido de registo no meu gravador de uma declaração a propósito de ameaças entretanto recebidas.

As emoções - como demonstravam, por vezes, os olhos marejados de lágrimas - nunca couberam nas palavras que iam sendo proferidas a propósito do Sport Comércio e Salgueiros. O futuro, que tive a oportunidade de ir também acompanhando, provou este amor ao clube. O José Viana assumiu, em condições de extrema dificuldade, a liderança de uma comissão administrativa que tudo fez para salvar o clube. Sim; porque de uma questão de sobrevivência do mesmo se tratava.

Tenho, por tudo isto, uma grande admiração pelo José Viana, pois procurou sempre servir o clube que amava e não servir-se dele. Dos muitos adeptos de clubes que conheci, ele foi certamente o maior exemplo de amor e dedicação a uma causa, quase sempre com prejuízo pessoal e familiar. Tive sempre a sensação de que o Sport Comércio Salgueiros é, para o José Viana, uma questão de fé; ou melhor; uma questão da própria vida que ele confessou estar disposto a perder a bem do clube.

Espero que ele não fique aborrecido por estas inconfidências. Já por causa disso optei por não publicar aqui a sua foto.

Por fim, gostaria de salientar a claque Alma Salgueirista, que ele fundou e que faz também parte da sua vida. Todos os seus membros sabem que o meu clube é o Futebol Clube do Porto. Não obstante isso, devo a todos os seus membros alguns dos momentos mais felizes e de melhor convívio que passei numa claque. Apesar do pouco dinheiro e da situação do clube, este grupo, algumas vezes desrespeitado pelos próprios dirigentes da agremiação desportiva, acabou por resistir mais do que esta e marcou sempre presença no apoio ao Salgueiros. No passado dia 15 de Janeiro a Alma Salgueirista comemorou 25 anos de existência. Como sempre, fui convidado para o jantar de aniversário. Em todos os seus membros encontro um amigo que me respeita e que não esqueço.

Não sei definir o que é a Alma Salgueirista porque entendo que a mesma nunca se poderá reduzir aos significados restritos das palavras. A Alma Salgueirista é um sentimento de pertença e de dedicação ao Salgueiros, sobretudo nos momentos difíceis - e foram tantos ao longo da sua belíssima história - deste popular clube da cidade do Porto. O Hino do Sport Comércio e Salgueiros http://www.youtube.com/watch?v=vNdW7_FFFqY é paradigmático. Por ele se emblematiza, da melhor forma, a identidade deste histórico clube portuense.

Reitero, como todos sabem, que o meu coração é azul e branco. Mas os que passam por todos aqueles que constituem a claque Alma Salgueirista nunca vêm sós. Trazem sempre um pouco de vós; da vossa Alma.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O CASO CALABOTE... por João Queiroz


Durante a viagem que efectuei na sexta-feira a Lisboa para poder assistir ao congresso Sports & Diáspora que decorreu no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, terminei a leitura do livro intitulado O Caso Calabote, da autoria do Dr. João Queiroz.

Trata-se de uma obra que se centra na arbitragem de Inocêncio Calabote num célebre jogo disputado entre o slb e a CUF no dia 22 de Março de 1959. Este jogo é sublinhado pelos adeptos do Futebol Clube do Porto como o emblema máximo de um longo passado que percorreu os anos do regime salazarista e durante os quais o clube encarnado recebeu o favorecimento, não só das arbitragens, mas também de todo o aparelho institucional do futebol português e mesmo do poder político. Tal processo era também complementado por um conjunto de agravos e prejuízos que negaram vitórias às grandes equipas que o Futebol Clube do Porto apresentava. A esta representação do passado procuram opor-se os apaniguados da agremiação lisboeta, procurando destacar que o jogo mencionado decorreu com toda a normalidade, não havendo, por isso, qualquer razão de queixa por parte dos adeptos do Futebol Clube do Porto.

O livro que aqui se comenta é um contributo muito importante para o esclarecimento deste episódio do futebol português. A análise comparativa do conteúdo das notícias publicadas pelos vários jornais da época, assim como o conjunto de depoimentos muito significativos dos agentes desportivos que estiveram de alguma forma envolvidos no jogo disputado no estádio da Luz e ainda no jogo de Torres Vedras entre o clube local e o Futebol Clube do Porto, permitiram ao autor apresentar uma configuração de factos, interpretações e contextualizações que, a meu ver, não suscita grandes dúvidas quanto aos processos ilegítimos e eticamente reprováveis empregues para proporcionar ao clube encarnado mais um vitória num campeonato, em prejuízo do Futebol Clube do Porto, ferindo-se assim a verdade desportiva que hoje tantos apregoam... quando perdem.

Num passado recente, algumas escutas telefónicas foram pretexto para a formação de um Dream Team da investigação judicial portuguesa. Emergiram, pois, acusações de corrupção ao Presidente do Futebol Clube do Porto por este, alegadamente, ter «comprado» árbitros com o intuito de ganhar jogos de forma fraudulenta. Todavia, tais acusações ruíram como um castelo de cartas perante a apreciação da Justiça (a verdadeira, que não outra a quem já ninguém Liga) e foram arquivados por ter ficado claro que não houve qualquer beneficio por parte dos árbitros no jogos em causa.

No entanto, e apesar disso, são muitos aqueles que ainda recorrem às escutas (não às que surgem nos despacho dos senhores juízes porque essas dão muito trabalho a ler, mas sim as que a comunicação social quer que sejam lidas) para legitimar os seus discursos que procuram colocar em causa a probidade dos muitos campeonatos que o Futebol Clube do Porto ganhou por larga margem nos anos pós 25 de Abril, assim como os sucessos futebolísticos além fronteiras que o tornaram no clube português com maior palmarés internacional. Mas compreende-se. Afinal, é o princípio do desejo que se sobrepõe ao princípio da realidade. Freud explica. Se assim não fosse, com poderiam suportar as grandes frustrações decorrentes de longos anos de um calvário de derrotas? O que ouviríamos hoje se o evento realçado por João Queiroz envolvesse o Futebol Clube do Porto?

Por maioria de razão, o que a obra «O Caso Calabote» revela, e que muitos não gostam certamente de ler, justificaria, hoje, uma investigação judicial com prova bem fundamentada. À época, tal não era possível... a bem da Nação.
Mas mesmo nos dias que correm, duvido que tal investigação fosse efectuada e duvidaria também dos resultados da mesma. Afinal, como se viu ontem no Estádio do Mar, continuam as arbitragens com «paixão».
A bem da Nação...

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

DAS NOTICIAS ACERCA DE CONFRONTOS ENTRE MEMBROS DAS CLAQUES



Na sequência do Sporting - slb disputado na noite de terça-feira para a taça que ninguém liga pudemos ver mais uma reportagem sobre a chegada das claques apoiantes do clube da Luz ao Estádio de Alvalade, por vezes mesmo em directos televisivos. Ainda não consegui obter uma resposta satisfatória relativamente ao interesse jornalístico que pode ter a chegada de uma claque ao estádio.
Estou plenamente convencido que o que se procura é, precisamente, noticiar e destacar eventuais situações de violência; até porque tal interesse verifica-se apenas nos grandes jogos de futebol que colocam em compita os três grandes clubes do futebol português. Nos outros jogos, onde a maior parte das vezes nada de significativo ocorre, nenhuma chegada de claque é motivo de notícia e muito menos de directo televisivo.

É certo que nestes grandes jogos a chegada da claque do clube visitante é muitas vezes um momento de tensão e conflito. Trocam-se insultos (que não são exclusivos dos membros das claques) e por vezes umas pedras, garrafas e até umas tochas. Em alguns jogos rebentam também alguns petardos.
E foi precisamente isto que podemos observar. O repórter, à semelhança de muitos outros, não deixou de evidenciar o seu desconhecimento sobre os objectos de cariz pirotécnico usado pelos membros das claques e denominou como «potes de fumo» aquilo que se via claramente serem tochas. Mas pelo menos não cometeu o habitual erro de chamar very-light a tudo que emite luz ou faz fumo, o que já é muito bom.
Sempre defendi que os actos violentos perpetrados por membros das claques devem ser noticiados. Todavia, da forma como tal é feito decorrem efeitos perversos e sobre estes parece haver pouco interesse em reflectir.
Sem uma abordagem histórica ou qualquer outra explicação, o público pensa hoje que a ida a um estádio de futebol, sobretudo no grandes jogos, se tornou numa aventura muito perigosa que deve ser evitada. A verdade é que não há nada de novo debaixo do céu. Acompanho claques de futebol há 16 anos e conflitos como aqueles que foram observados na passada terça-feira sempre ocorreram. Eram até mais frequentes e graves, sem que sobre as claques existisse o controlo policial que podemos constatar presentemente.

Os números comprovam isto mesmo. Se ente 1978 e 1992 se verificou um aumento do número de incidentes entre adeptos no futebol português, tal tendência inverteu-se claramente a partir do ano seguinte e, não obstante pequenas variações de ano para ano, tornou-se decrescente. A grande diferença reside no facto destes incidentes não serem, à época, objecto do mesmo destaque, visibilidade e sensacionalismo por parte da comunicação social.
Para além disso, a visão romanceada de um passado do futebol português caracterizado pelo comportamento pacífico dos espectadores nos estádios desmorona-se rapidamente com a leitura da imprensa desportiva desde o final do século XIX e até à década de 70 do século XX. Esta relatou inúmeras ocorrências de um violência inusitada, impensável e inaceitável nos dias que correm.

Reportagens do teor da que foi apresentada sobre os incidentes entre claques em Alvalade, destituídas de qualquer explicação, produzem e reproduzem uma sensação de «pânico moral» que afasta o público dos estádios, precisamente numa época em que estes nunca foram tão seguros e controlados por forças policiais que apesar de poderem ainda melhorar a sua actuação, são já bastante eficazes na prevenção de confrontos e na implementação de medidas que visam salvaguardar os espectadores.

Esta «sensibilidade» noticiosa para com os actos violentos perpetrados pelos membros as claques e a visibilidade conferida aos mesmos merecerá da minha parte uma análise sociológica que posteriormente publicarei neste espaço.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

DESPRESTIGIANTE PARA CARLOS QUEIRÓS E PARA O FUTEBOL PORTUGUÊS



Recebi um telefonema de um grande amigo para me informar que Carlos Queiroz tinha tido uma altercação com Jorge Baptista e que esta terá mesmo chegado ao contacto físico. Os intervenientes apresentaram versões divergentes dos factos.

Uma coisa é certa. Estamos perante mais um triste episódio que envolve um importante nome do futebol português.

Tenho grande respeito pelo professor Carlos Queirós e reconheço o seu prestígio. É em consequência disso que o envolvimento do treinador da selecção de futebol de Portugal com Jorge Baptista me deixou desiludido com o primeiro.

Esta ocorrência fez-me recordar a investigação de Pierre Bourdieu na Cabília, publicada na obra intitulada Esboço de uma Teoria da Prática. As pessoas desta comunidade, perante ofensas e desafios proferidos, apenas respondiam caso estes fossem provenientes de pessoas com o mesmo «estatuto social». Se assim não fosse, perderiam a honra sempre que respondiam ou desafiavam os que eram tidos como sendo pertencentes a uma «categoria» ou «estatuto social» diferente.

O professor Carlos Queirós foi bi-campeão do mundo de júniores com Portugal. Treinou também outras selecções e ainda Real Madrid e Manchester United, dois dos principais clubes do mundo. Deu já muito do seu trabalho ao futebol, e sobretudo ao futebol português. Contrariando muitos maldizentes, conseguiu o apuramento de Portugal para o Mundial que será disputado na África do Sul.

Por outro lado, quem é Jorge Baptista? O que produz para o futebol português? Treina alguma equipa? O que faz como delegado ou colaborador da UEFA? Que valor acrescentado suscitam os seus comentários? Qual a diferença dos mesmos em relação aos outros comentadores ou até à generalidade de muitos portugueses que vêm futebol regularmente e há muitos mais anos do que ele?

É por esta razão que entendo que o conflito noticiado hoje desprestigia apenas Carlos Queirós. Talvez o seu silêncio - silêncio de distância, de superioridade, de indiferença, de ignorar o outro - tivesse sido a reacção que não promoveria a outra parte.

Ressalvo que esta minha opinião confina-se apenas ao posicionamento no futebol português e é estritamente neste plano que analiso o conflito. Conheço muito bem, porque os ouvi, o teor crítico dos comentários de Jorge Baptista ao trabalho de Carlos Queirós como treinador da selecção nacional. E sei ainda quem foi o comentador que afirmou que não achava Vitor Baía um grande guarda-redes, sendo antes um produto do marketing. Mesmo sendo o jogador com mais títulos em todo o mundo... Mas isso não conta, pelo menos para um comentador.

Objectivamente, tratou-se de um conflito entre dois homens. E neste plano são formalmente iguais e merecem o mesmo respeito. Mas convém que se respeitem. Sobretudo a vida privada. Seria prudente que as pessoas falassem apenas quando estão lúcidas.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

OLHA PARA TI Ó PORTUGAL E NÃO TE DEIXES ASSIM VESTIR

Muito se disse acerca do Orçamento do Estado Português para o ano de 2010. Procurei ler e ouvir o que muitos comentadores afirmaram, não sem algumas dificuldades, uma vez que alguns denotam dificuldade em adoptar outros termos que vão para além dos conceitos financeiros difíceis de compreender. Felizmente, outros - destaco Camilo Lourenço - são capazes de explicar o orçamento de forma a que a generalidade dos portugueses compreenda o que está em causa neste momento para as finanças e para a economia de Portugal.

Na verdade, a economia, para além dos números e dos conceitos, pressupõe, como Ciência Social que é e tal como demonstrou Pierre Bourdieu, um largo conjunto de estruturas e práticas sociais. Assim sendo, certamente que o orçamento elaborado é produto de uma certa configuração social e condicionará também a realidade quoridiana vivida pelos portugueses no ano de 2010.

As várias opiniões emitidas acerca deste documento evidenciam um denominador comum: a situação do país justifica grande preocupação. Confesso que vi com satisfação o diálogo e posterior acordo que permitiu a aprovação deste documento. Hoje, tal ilusão desvaneceu-se.

Nada conheço da Lei das Finanças Regionais que é agora factor de discórdia e nunca li uma linha de um orçamento do Estado Português. Mas estou convicto que para além das questões substanciais, há um princípio fundamental que nunca deverá ser esquecido. Acredito na democracia e na importante função dos partido, ainda que esta não se esgote nos mesmos. Aceito e é salutar que os partidos tenham diferentes ideias e políticas diferentes para o pais. Mas a partidocracia instalada é insuportável. Quando os partidos deixam de ser núcleos de ideias e propostas para melhorar o país e passam a ser um fim em si mesmo, constituindo-se como clubes que pretendem chegar ao poder para satisfação de ambições pessoais de carreira, poder, influência e mediatismo de muitos dos seus militantes, estamos perto do grau zero da política e por isso é que esta, não obstante a sua nobreza, caiu no descrédito dos portugueses. Para os governos e partidos que o apoiam, tudo se faz bem. Para os partidos da oposição, tudo que o governo faz é mau. Outros falam e propõem medidas com a irresponsabilidade de quem não as tem que pagar. Como disse Bagão Félix, tem verbo mas não têm verba.

Os problemas continuam aí para serem resolvidos e alguns deles agravam-se de dia para dia. É preciso que os partidos e os que neles estão integrados sirvam Portugal e não se sirvam dele. O país não é dos partidos e dos políticos, mas sim um bem que os portugueses deixaram a cargo destes. O presente «grita» por um novo contrato socio-político em que todos estejam dispostos a abdicar de suas posições extremas a favor de um consenso para o desenvolvimento do pais. E, por favor, entreguem a governação a pessoas pragmáticas, e desvinculadas dos grupos de interesses e pressão e capaz de resistir a estes, consensualmente reconhecidas como competentes e que subordinem tudo ao primado do superior interesse de Portugal. Os portugueses agradecem.

P.S. O título deste post advém de uma música de Sergio Godinho.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

SE DÚVIDAS HOUVESSE... A BOCA MORRERIA SEMPRE PELO PEIXE



O trabalho intenso não me tem sequer permitido vir aqui ao Entrecampos deixar um olhar «plantado». Não por falta de temas ou ideias - porque os últimos dias os proporcionaram - mas sim por manifesta falta de tempo.

Hoje, voltou a marcar presença a persistência da memória. Porquê?

Foram anunciados os castigos impostos pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional a dois jogadores do Sporting de Braga. Um fica impedido de jogar durante três meses. Outro fica impedido de jogar durante três jogos. Claro que não poderiam ser quatro , um vez que isso afastaria o futebolista bracarense do jogo com o Futebol Clube do Porto. E isso não interessa a tal comissão.

Para além disso, tal anúncio foi feito após o fim de prazo para as transferências. As palavras de Carlos Freitas foram esclarecedoras. Deste modo, o clube minhoto - que disputa palmo a palmo o campeonato português com um clube cujo delírio de grandeza leva o seu (i?)responsável máximo a afirmar a agremiação lisboeta como sendo Portugal - fica assim impedido de transferir os seus jogadores para outro clube, perdendo também a possibilidade de contratar outros que os possam substituir.

Se dúvidas houvesse, fica actualmente cada vez mais claro e patente a razão pela qual sua excelência o Sr. Presidente do slb terá afirmado, aquando da contratação do futebolista lituano Jankauskas (ex-slb) por parte do Futebol Clube do Porto, que importante era ter lugares na Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Certamente que assim fica mais fácil «resolver as coisas por outro lado.»

Por isso estou convicto que a referida comissão disciplinar é também, e sobretudo, disciplinada. Por isso nunca como hoje terá tido tanta pertinência o seguinte slogan da claque Colectivo Ultras 95:

A COMISSÃO DISCIPLINAR A PENALIZAR, SEMPRE QUE O slb PRECISAR.

É um problema de comichão que coça sempre para o mesmo lado.

Muito haveria para escrever sobre este assunto. Mas creio que bastará dizer que a boca continua a morrer pelo Peixe.