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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Cortes presente... prejuizos futuros.


A família e a escola são duas instituições profundamente estruturantes dos processos de socialização e enculturação dos jovens. Todavia, e na sociedade actual, estas instituições competem cada vez mais com o grupo de pares, com as novas tecnologias - sobretudo a internet e redes sociais - e ainda com uma categoria de media sobretudo orientada para a promoção de um consumo específico destinado aos jovens e que configura os estilos destes. Para além de pressionados pelos filhos para a aquisição de bens que são os signos desses estilos, os pais sofrem angustiados com a perda da sua influência nestes processos. Assim sendo, exige-se de qualquer decisão política que não prejudique a dinâmica social destas duas instituições.

No entanto, uma visão meramente contabilística conducente a cortes orçamentais em prol da redução do déficit das contas públicas, levou o actual governo a decidir-se por um severo corte no financiamento às escolas com contrato de associação.

Bastariam os despedimentos que tal medida implicará e a inevitável situação dramática em que muitas famílias terão que sobreviver para demonstrar o quão chocante e insensível é esta intervenção governativa. Na verdade, é mais fácil asfixiar financeiramente as escolas e «lavar as mãos» face às consequências, do que ter a coragem de «mexer», de forma contundente, com as chorudas reformas vitalícias acima dos 4000 euros de alguns privilegiados do sector público e que custam ao Estado português, segundo o estudo publicado no Diário de Notícias, cerca de 22 milhões de Euros mensais. Parece que para resolver este problema, só resta mesmo, como alguém com as máximas responsabilidades neste país afirmou, esperar que tais beneficiários morram. Na verdade, quem defende hoje que os cortes são desiguais, por afectarem mais os pobres e não tanto os ricos, dá um fantástico exemplo http://aeiou.expresso.pt/cavaco-opta-por-pensoes-de-836410042=f626817

A perversidade de tais cortes vai, contudo, muito mais longe. Ela é fortemente desestruturante das famílias e da escola.

Relativamente às primeiras sabe-se que qualquer mudança de escola - inevitável para muitos pais face à sua impossibilidade de pagar propinas - pode ser fortemente perturbadora da rotina familiar, acarretando também um processo de adaptação dos estudantes a uma nova escola, a novos professores e a novos grupo de amigos.

No que à escola diz respeito, o governo argumenta que os contratos de associação foram feitos quando a rede de escolas públicas não era suficiente para cobrir as necessidades dos jovens estudantes. Agora, com uma rede escolar alargada, não será necessário manter tais contratos, uma vez que os jovens portugueses têm já disponível, perto de si, a escola que necessitam. Fica, pois, clara, esta visão instrumental de usa e deita fora que esquece dois aspectos fundamentais:

- sendo privadas, as escolas prestam um serviço público. E considerando os rankings de escolas que foram publicados, prestam-no melhor do que as escolas públicas. Com efeito, estão ameaçadas muitas escolas bem classificadas nos tais rankings. Quem os valorizou, não pode agora desvalorizá-los ao sabor dos seus intentos políticos e para esconder o aniquilamento de instituições escolares de qualidade.

- só existe escola pública, e por maioria de razão, só existe Estado português, porque o mesmo é financiado pelos impostos dos cidadãos e da iniciativa empresarial privada.

Sem prejuízo do que foi referido, acresce-se ainda que o corte de verbas às escolas com contrato de associação destruirá o ensino privado, mas também degradará o ensino público. A tal rede escolar ampliada, mas muitas vezes sobrelotada e com um número excessivo de alunos por turma, receberá mais estudantes, numa época em que os cortes anularão o estudo acompanhado, o desporto escolar e demais actividades complementares às normais actividades lectivas. Por conseguinte, depois da destruição da qualidade do ensino privado, virá a decadência do ensino público.

Esta medida justifica ainda outras considerações. Depois de sabermos o que se gasta com os mais de 13000 organismos públicos, com as empresas públicas, com as parcerias público-privadas, com as derrapagens das obras, com os prémios e ordenados de altos quadros do Estado, os pareceres pagos a peso de ouro e ainda com a insistência em obras públicas como o aeroporto e o TGV, é incompreensível, porque absurdo e imoral, o corte que se anuncia. Isto, por parte de quem criticava a política do betão e tinha a educação como paixão.

Esperava-se, da parte do Presidente da República, que perante tal medida, assumisse as suas responsabilidades, como o próprio prometeu. Porém, e depois de ter formalizado um suposto acordo com o governo, a lei foi promulgada. Não se sabe se a portaria posteriormente publicada pelo governo desvirtua o suposto acordo alcançado. Se assim é, cabe ao defraudado denunciar claramente tal situação, para que o povo português saiba com quem lida.

Não sendo assim, assistimos ao ridículo de vermos um Presidente da República a confortar protestos contra uma lei que ele próprio assinou, quando se esperava um veto enérgico e não uma promulgação frouxa. Mas isso também não é surpreendente em alguém que não veta leis, optando antes por promulgá-las e depois criticar o que promulgou, numa clara desvalorização e apoucamento das leis da república, pasme-se, pelo presidente da mesma.
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Não tenho qualquer intenção premonitória nem perfilho teses especulativas. Estou, no entanto, plenamente convencido que estes cortes, com o dinheiro a entrar pela porta e algum dele a sair pela janela para pagar subsídios de desemprego e outros gastos, terá repercussões na qualidade da educação, com os consequentes custos futuros não contabilizáveis, mas penalizantes para Portugal.

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