ENTRE CAMPOS... UM OLHAR... UM CAMINHO

sábado, 31 de julho de 2010

Os homens que partem e a Arte e os artistas que ficam


Conjugando o que aqui escrevi sobre Paulo Portas, bem como a singela referência à Lolinha e ao actor António Feio, recordei a morte de José Saramago.

A morte deste escritor português, consagrado e exaltado com o Prémio Nobel da Literatura, não deixou de suscitar os mais diversos comentários. Enquanto uns elogiaram a sua obra literária - e sobre esta a atribuição do Prémio Nobel tudo disse - outros optaram por remexer no passado de José Saramago. Lembraram a carreira no jornal Diário de Notícias para fazer críticas ao carácter do homem. Por sua vez, o Vaticano, certamente legitimado pelo passado impoluto de respeito pelo direitos humanos de que a Igreja Católica se pode orgulhar, optou também pela crítica às posições ideológicas do escritor, sobretudo no que diz respeito à religião e ao comunismo. Considerando as posições públicas de Saramago sobre estas duas grandes problmáticas da Humanidade, não é surpreendente que tal tenha acontecido. Afinal, quem se expõe publicamente legitima também críticas públicas.

Todavia, o prestigio de José Saramago não surgiu em consequência de tais posições, mas sim da sua escrita. E as honras dispensadas decorreram disso mesmo e do facto de ter honrado Portugal com o Prémio Nobel.

Assim sendo, o tempo da sua morte deveria ser o tempo de recordação do escritor e celebração da obra que o mesmo nos deixou. Não o tempo das questões pessoais e dos ataques ao carácter. Porém, alguns deixaram que estas se sobrepusessem ao reconhecimento de uma obra literária notável de um autor que promoveu Portugal e a língua portuguesa e a quem o país deveria estar agradecido. Nem mesmo o representante máximo da nação se mostrou capaz de tomar esta atitude sensata. Agora, também na minha cidade do Porto forças se levantam para impedir que o nome do Prémio Nobel da Literatura seja atribuído a uma rua.

Mas não são estas atitudes que fazem esquecer os livros de Saramago e as personagens que ele criou e que «habitaram» os dias e a memória dos leitores.

O meu contacto pessoal com José Saramago limitou-se apenas a um autógrafo na obra História do Cerco de Lisboa. Valorizo sobretudo a sua obra e a influência da mesma nos meus dias. Sobre o seu carácter, quem for perfeito que lhe atire a primeira pedra...

E assim se consegue perceber o lamento pela morte de pessoas que nunca conhecemos, mas que «entram» nas nossas vidas pelo seu trabalho artístico e difusão do mesmo. Por isso lamentamos também com emoção o desaparecimento de António Feio e o guardaremos na memória.

Na verdade, não nos conseguimos aproximar da Arte sem «morrermos» também um pouco perante ela.

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