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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Despedimento kafkiano do Prof. Carlos Queiroz


O despedimento do Prof. Carlos Queiroz é mais uma página totalmente kafkiana do futebol português. Esta referência ao autor checo é polissémica e vou explicar porquê. Lembro-me de Kafka porque, à semelhança da sua obra O Processo, estamos também perante um procedimento absolutamente iníquo, novelístico e canhestro. Também me lembro de Kafka porque neste processo encontramos um miserabilismo idêntico ao que encontramos na sua Matamorfose.

Ao que tudo indica, o treinador nacional terá recorrido a termos insultuosos durante os diálogo que estabeleceu com os técnicos que iriam fazer o controlo anti-doping aos jogadores de Portugal. O próprio reconheceu publicamente que foi deselegante e as palavras, se de facto foram proferidas, merecem a reprovação de todos.

No entanto, se os factos têm a gravidade agora atribuída, porque razão o Prof. Carlos Queiroz não foi de imediato suspenso de toda a actividade e sujeito ao competente processo disciplinar? Tal não sucedeu, porque simplesmente teria sido perturbada a preparação para o Mundial de Futebol, bem como o desempenho da selecção nesta competição. Mas outra pergunta subsiste: se Portugal tivesse conseguido um resultado de excelência, o professor estaria hoje a ser despedido?

O Sr. Luis Horta poderia sempre, caso estivesse ofendido com as palavras proferidas, instaurar um processo-crime ao treinador português. Mas assistimos a um processo maquiavélico em que uma entidade julgou em causa própria e contrariou a decisão anterior do Conselho de Disciplina - composto por juristas - que considerou não ter sido levantado qualquer obstáculo à realização do controlo anti-doping.

De qualquer forma, foi assim criado o alibí para que se cumprisse o desejo do Laurentino. Para além de reputar de graves os factos ocorridos, mesmo antes de o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol se ter pronunciado sobre eles, o Estado do Secretário da Política no Desporto não se coibiu de «aconselhar» implicitamente a Federação Portuguesa de Futebol a fazer, precisamente, o que fez hoje. Deve ser aquela coisa da «política de influência». O presidente desta instituição, mais uma vez sem coragem, não foi capaz de dizer publicamente que não recebia recados de ninguém (assim sendo, parece que recebe), que na casa dele mandava ele ou então que não admitia interferências.

E assim se faz Portugal. Uma instituição que assinou livremente um contrato com um treinador que tem e deu a Portugal dois campeonatos do mundo de juniores e que formou jogadores que possibilitaram grande sucesso a outros, despede assim um treinador, escapando, para já, às indemnizações previstas no contrato acordado. Assim se atira para os tribunais e para daqui a alguns anos uma eventual obrigação de pagamento das mesmas. Por agora despede-se, lava-se as mãos e varre-se o «lixo» para debaixo do tapete. Será aquela outra coisa a que alguém resolveu chamar de «razão atendível» que já está a funcionar?

Depois, quem dirigir a federação na altura, que pague a conta... ou feche a porta.

E asim se perde um projecto de restabecimento do futebol juvenil e as consequentes vantagens que poderiam advir para o futuro na própria selecção nacional. Portugal não merece o trabalho do Prof. Carlos Queiroz.

É por estas e por muitas outras que Mourinho afirmou claramente que não quer trabalhar e nem sequer viver neste país.

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